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O coração não corre se o cérebro não deixa

Lembro como se fosse ontem: passei o dia contando as horas para vestir o conjuntinho de calça e paletó de veludo cotelê azul turquesa e, finalmente, ir ao circo. Na hora marcada, às 7 da noite, a Tiana, que trabalhava lá em casa, apareceu na porta e riu ao me ver mais do que pronta.

Eu tinha cinco anos e, para mim, era um tremendo acontecimento estar na plateia daquele circo, montado num terreno baldio lá na cidadezinha do interior: o bom de ter cinco anos é que qualquer coisa é igual à Disneylândia, o que torna facílimo ser feliz.

Ainda vejo o exato instante em que, pela primeira vez na vida, senti um choque de emoção: minha garganta se fechou quando vi o Jair Rodrigues em pleno picadeiro, usando um terno azul piscina e cantando seus hits da época, enquanto chamava, efuzivamente, algumas crianças para cantar com ele lá na frente.

Eu era fãzérrima de Jair Rodrigues e lembro do meu coração acelerado, da respiração ofegante, do ímpeto de me levantar e correr ao picadeiro... e da ordem cerebral de continuar onde estava.

E a voz da Tiana, ansiosa:

-- Vaaaaaai, Fê!!!!!!!!!!!!!!!!.

Pensei demais e faltou coragem. E a noite virou uma assombração que, vez por outra, torna à minha mente e pergunta:

-- Por quê?

Mais de trinta anos depois, estava em plena praça Santelmo, em Buenos Aires, enfeitiçada diante do casal de mandava ver no tango, quando o dançarino (charmosíssimo) começou a convidar as mulheres da plateia para uns passinhos.

Gelei.

A situação era tão semelhante que cheguei a pensar que estava usando o tal conjuntinho azul turquesa.

A mesma respiração cortada, a mesma fervura do corpo, entre o ir e o ficar... entre o correr para o desejo e o esconder-me dele. A mesma disputa entre o cérebro e o coração, a mil.

-- Vaaaaaaai Fê!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Era o meu marido que dizia, desta vez, a frase que a Tiana deixou solta no ar.

Não preciso dizer que não fui.

Mas sabe, é por isso que gosto tanto do filme “Forrest Gump”, que tem aquela cena mágica em que ele é perseguido pelos colegas de escola e, mesmo com aparelhos nas pernas tortas, sai correndo quando ouve de sua melhor amiga a frase que mudou tudo:

-- Cooooooorre, Fooooorrest!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

E é a esta cena que passei a recorrer diante daqueles desafios que às vezes surgem, vitórias grandes ou pequenas que me parecem quase impossíveis... seja porque avalio demais os riscos, evito a mais remota possibilidade do ridículo.... ou porque me falta coragem para ceder ao impulso, ou confiança para me lançar ao atrevimento.

Penso que sou o Forrest...
E coooooooorro!

Fernanda Dannemann

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